segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Breve história da música no (vale do) Acre - VII*


Os anos 80 trouxeram os FAMPs e os Festivais do Amapá, a música de protesto e o engajamento político das artes acreanas. Tempos difíceis, mas extremamente férteis que marcaram toda uma geração.


Em 1974, ano de Copa do Mundo, chegou ao Acre a televisão, ainda que tardiamente, promovendo uma maior integração cultural com o restante do país e incorporando atividades consagradas regionalmente como os programas de auditório que rapidamente passaram a acontecer também na televisão. Porém, lembram alguns saudosistas de plantão, que a chegada da televisão também provocou uma certa deterioração no antigo costume das famílias de se reunirem nas calçadas, no fim da tarde, para conversar e comentar as ultimas novidades. O antigo modo de vida acreano parecia então definitivamente superado.

Um novo e fundamental impulso na musica acreana só voltaria a ocorrer no início dos anos 80 com a retomada dos festivais. Mais uma vez a realização dos festivais acreanos deve ser atribuída às influencias que vinham do Rio de janeiro, ou de outras partes do Brasil, apesar de apresentar diversos aspectos que os configuram como fenômeno regional com características próprias. Não podemos descartar também influencias do Festival de Woodstok e do movimento estudantil que procurava meios para veicular seus protestos contra o Regime Militar então vigente.

Não por coincidência, o primeiro Festival Acreano de Musica Popular, ou FAMP como ficou amplamente conhecido a partir de então, ocorreu por iniciativa de pessoas ligadas à UFAC, em 1980. Este primeiro FAMP aconteceu na sede do Vasco da Gama e teve enorme repercussão, inclusive pela apresentação especial realizada por Sérgio Souto que, apesar de acreano, estava trabalhando sua carreira no Rio de Janeiro. Essa apresentação possuía uma dupla importância, primeiro porque demonstrava a possibilidade dos músicos acreanos conquistarem seus espaços na musica popular brasileira e depois porque se adiantava, de certa forma, aos festivais da Shell, que tiveram enorme repercussão nacional, onde Sérgio Souto cantaria a mesma musica que já havia apresentado não-competitivamente no primeiro FAMP: “Minha Aldeia”.


Nos anos seguintes ocorreram outros FAMPs, que completou em 1997 a sua décima edição. Ou seja, a realização dos FAMPs não aconteceu de forma contínua: ocorreram em 1980 e 1981, parou em 1982, voltou em 83, dando uma nova parada por questões financeiras até 1985 e assim por diante até os dias de hoje.

Antes mesmo de falar das consequências que os FAMPs tiveram sobre a musica acreana é preciso lembrar que a partir de 1983 esse movimento foi engrossado pela realização dos Festivais do Amapá, tornando a década de 80, fundamental para a atual identidade da musica acreana.


Impossível, embora necessário, seria nos dedicarmos aqui a percorrer a história de cada um dos FAMPs e dos Festivais do Amapá. Só assim, talvez, pudéssemos demonstrar um pouco da verdadeira revolução cultural que esses festivais representaram para a cultura acreana. Como teremos que nos contentar com sua caracterização genérica, mostra-se preciso lembrarmos do momento sócio-econômico pelo qual passava o Acre.


Os anos 70 haviam sido extremamente cruéis para a sociedade acreana. A implantação de um novo modelo econômico para no Acre, com a substituição dos seringais pelos grandes latifúndios pecuaristas, trouxe radicais transformações para quase todos os setores da sociedade, especialmente para os menos favorecidos. 

Essa história é bem conhecida e não precisamos aprofundá-la demasiadamente. Basta lembrar do fechamento dos seringais, da chegada dos “paulistas” ao Acre, da implantação das fazendas de gado, da expulsão de milhares de seringueiros de suas colocações, do inchaço das cidades com a formação de inúmeros bairros periféricos e miseráveis, do acirramento das relações entre seringueiros e latifundiários e o consequente enfrentamento dai advindo, dos poucos resultados econômicos obtidos, para realçar o conturbado contexto vivido no Acre então.

Assim, os anos 80 encontraram um Acre que tentava se reestruturar. Um contexto social onde se mostrava necessário rever os modelos estranhos e prejudiciais à região, onde se tornava mais que importante, essencial, estabelecer discussões ambientais, políticas, econômicas e culturais. Nada podia ser melhor, diante de tal situação, para dar voz à sociedade do que os festivais, onde as opiniões e as necessidades da sociedade podiam ser gritadas, tanto quanto cantadas.


Com efeito, foi nos festivais que toda uma nova geração de músicos acreanos despontou no cenário cultural acreano. Àqueles músicos que desde os anos 60 e 70 vinham produzindo e divulgando a musica no Acre, como Crescêncio Santana, Da Costa, os irmãos Gallo, os irmãos Mansour, Geraldo Leite, juntaram-se inúmeros jovens que produziam, não só musica, mas poesia, informação, idéias, comportamentos e opiniões. Nomes como Pia Vila, Felipe Jardim, Damião Hamilton, Sérgio Taboada, Antônio Manoel, Narciso Augusto, Beto Brasiliense, João Veras, Maués, Jorge Carlos, Bacurau, Tião Natureza, e tantos outros que poderia resultar injusto tentar enumerá-los aqui.

*Texto publicado originalmente na Revista Registro Musical, FGB, 1996

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Uma história que não se pode ignorar

Nesta semana interrompo a série sobre a música acreana para divulgar nesta coluna o importante esclarecimento feito pelas comunidades ayahuasqueiras acerca do recorrente erro de algumas autoridades e veículos de comunicação que insistem em confundir um dos mais importantes bens culturais do povo acreano e brasileiro com substâncias ilícitas. Esperamos que com as ponderadas (como sempre) reflexões feitas pelas comunidades este tipo de coisa não mais se repita.



NOTA DE ESCLARECIMENTO

A propósito de matérias veiculadas na imprensa local, nos dias 28 e 29 de junho deste ano, sobre a incineração de Daime junto a entorpecentes apreendidos pela Polícia Federal no Estado do Acre, vimos a público contestar o equívoco desta prática e esclarecer o que segue:
1. O Daime, Vegetal, Ayahuasca, Cipó, Yagê ou Hoasca é uma bebida sagrada de uso milenar por comunidades indígenas amazônicas e é parte integrante da cultura acreana desde a primeira década do século passado, nos primórdios de sua formação;
2. As doutrinas religiosas constituídas a partir do uso ritual do Daime ou Vegetal tiveram seu reconhecimento público no Estado do Acre e no Brasil em diversas oportunidades, dentre elas:
* Certificado de Reconhecimento da Importância Histórica e Cultural à Madrinha Peregrina Gomes Serra, dignitária do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal - CICLU Alto Santo, e a Francisco Hipólito de Araújo Neto, dirigente do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz, concedido pelo Governo do Estado do Acre, em solenidade realizada no Palácio Rio Branco, no dia 15 de junho de 2012, por ocasião das comemorações dos 50 anos de Estado do Acre;
* Reconhecimento e homenagens à União do Vegetal – UDV, por ocasião do cinquentenário de sua fundação, em sessões solenes realizadas em vários municípios brasileiros, nas Assembleias Legislativas dos vinte e seis estados da Federação e do Distrito Federal, e no Congresso Nacional, em 2011;
* Título de Cidadão Acreano concedido aos Mestres fundadores das doutrinas tradicionais – Mestre Raimundo Irineu Serra (Alto Santo), Mestre Daniel Pereira de Mattos (Barquinha), Mestre José Gabriel da Costa (União do Vegetal) - pela Assembleia Legislativa do Estado do Acre, em solenidade realizada em abril de 2010;
* Entrega, em 30 de abril de 2008, ao Ministro da Cultura Gilberto Gil, do pedido de Registro do Uso Ritual da Ayahuasca como Patrimônio Imaterial brasileiro, que teve como signatários representantes dos três troncos tradicionais da Ayahuasca, Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour (FEM) e Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil (FGB). Acatado pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, o pedido deu origem ao Inventário, em curso no âmbito do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
* Reconhecimento do Segmento Culturas Ayahuasqueiras, componente da área de Patrimônio Cultural, no âmbito do Cadastro Cultural do Município de Rio Branco – CCM e criação da Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras, do Conselho Municipal de Políticas Culturais – CMPC, no contexto das Leis Nº 1.676/2007 e Nº 1.677/2007, respectivamente Lei do Sistema Municipal de Cultura – SMC e Lei Municipal de Patrimônio Cultural de Rio Branco;
* Tombamento de edificações pertencentes ao CICLU Alto Santo, como patrimônio municipal e estadual e solicitação formal de abertura do processo de Tombamento no âmbito federal, em 2006;
* Criação da Área de Proteção Ambiental Raimundo Irineu Serra (APARIS), no âmbito do município de Rio Branco, em 2005;
* Reconhecimento do Centro Espírita e Culto de Oração Casa de Jesus Fonte de Luz e do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal - UDV como de Utilidade Pública, estadual e federal, pelos serviços prestados à sociedade;
* Criação do Bairro Irineu Serra em Rio Branco, a partir da comunidade fundada pelo Mestre Irineu em 1945, na antiga Colônia Agrícola Custódio Freire;


3. O respeito à diversidade cultural, incluindo crenças, costumes, hábitos e práticas religiosas, é um compromisso da Constituição Federal e da Nação brasileira como signatária da Convenção da Diversidade Cultural, firmada no âmbito da Unesco;
4. O Estado do Acre é o berço de fundação da Doutrina do Santo Daime, de inspiração divina, replantada pelo Mestre Irineu, maranhense de nascimento e pioneiro na ocupação deste território acreano, desde 1912, quando aqui chegou. Mestre Daniel, também maranhense, veio para o Acre em 1905, e fundou o seu Centro religioso em Rio Branco, no ano de 1945. Mestre Gabriel, baiano, chegou à Amazônia em 1947 e desenvolveu a União do Vegetal na década de 1950, entre os Estados do Acre e Rondônia;
5.  Os centros que professam a religiosidade com o Daime e o Vegetal são livres, abertos, frequentados por pessoas e famílias dignas e idôneas, e autoridades públicas. O Daime, Vegetal ou Ayahuasca, sacramento religioso que é parte da nossa cultura, não pode ser confundido com drogas pelo poder público que representa esta sociedade;
6. Associar drogas ao Daime, ou Vegetal, é um desrespeito a inúmeras famílias acreanas e pessoas que têm histórias e testemunhos sobre os benefícios desse sacramento, para a saúde física, mental e espiritual, inclusive em casos de dependência química;
7. As políticas públicas de combate ao tráfico e uso de drogas são recebidas com aplauso e solidariedade pelas comunidades ayahuasqueiras de Rio Branco, que enxergam nas condutas marginais um desagregador de famílias, com prejuízos profundos em especial para a juventude e para toda a sociedade brasileira.
Diante do exposto, e considerando o constrangimento das comunidades ayahuasqueiras pela prática da incineração de seu sacramento, solicitamos às autoridades responsáveis que, no cumprimento das determinações legais referentes ao tráfico e usos indevidos de substâncias tóxicas ou entorpecentes, seja excluída a menção ao Daime, Vegetal ou Ayahuasca. E que, em caso de apreensão de Ayahuasca, em circunstâncias de transporte ilegal ou outras situações que contrariem as condutas dos segmentos culturais, indígenas ou religiosos, seu descarte seja realizado de forma respeitosa, em ambiente natural, de preferência na terra, desassociado de drogas, ou quaisquer outras substâncias ilícitas.
           
Rio Branco, 07 de agosto de 2012

Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras
João Guedes Filho - Articulador

Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil
Eurilinda Maria Gomes de Figueiredo – Diretora Presidente

Fundação de Cultura e Comunicação Elias Mansour
Francis Mary Alves de Lima – Diretora Presidente

Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Acre
Deyvesson Israel Alves Gusmão – Superintendente no Acre

Escritório da Representação Regional Norte do Ministério da Cultura
Keilah Diniz - Representante

Assessoria de Assuntos Indígenas do Governo do Estado do Acre
José de Lima Kaxinawá - Assessor

Instituto Ecumênico Fé e Política
Manoel Pacífico da Costa – Secretário Geral

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Breve história da música no (vale do) Acre - VI*

O contexto musical brasileiro e mundial em franca ebulição na passagem dos anos 50 para os 60. A nova geração de músicos acreanos queria tocar o samba, a musica popular e as ultimas novidades: a bossa-nova e o rock’n roll, sem ter que restringir-se somente às valsas, marchas e dobrados.


Nesse contexto começaram a ser formados novos conjuntos musicais melhor estruturados, superando a prática muito espontânea, mas pouco organizada dos conjuntos de pau e corda. Eram os conjuntos “modernos” ou “eletrônicos”, como foram classificados por Sandoval do Anjos em sua “História da Musica”, por incorporar instrumentos elétricos como guitarras e baixos.

O “Bossa-ritmo” foi o primeiro desses conjuntos que, formado em meados da década de 60, tinha a preocupação central de renovar a musica que se tocava nos clubes, através da incorporação do movimento bossanovista, dos Beatles e da Jovem Guarda. Até mesmo alguns integrantes da “Furiosa” (como também era chamada a Banda da Guarda Territorial) adaptaram-se à nova situação, como Elias Ribeiro, o Mestre Elias, que formou com seus filhos o “Quinteto de Ouro”, que possuía um repertório de sambas e chorinhos. Aliás, o caráter familiar dos conjuntos “modernos” foi uma característica marcante do movimento musical desse período. O Bossa-ritmo, que obteve grande sucesso nos bailes promovidos nos salões do Rio Branco Futebol Clube, foi desfeito devido à saída dos irmãos Mansour para a formação do conjunto “Os Bárbaros”, que a partir de 1966 animava as noites do Juventus. Logo a seguir surgiu ainda outro conjunto de grande importância na época: eram “Os Mugs”. 

O Bossa Ritmo

O novo movimento musical de Rio Branco passou então a ser dominado pelos “Os Bárbaros” e “Os Mugs” que dando vazão às necessidades musicais dos filhos da classe média urbana que os comparavam aos “Beatles” e aos “Roling Stones” e frequentavam os bailes do Juventus e do Rio Branco, bem como os jogos de futebol entre os mesmos dois clubes. Depois disso a Banda da Guarda nunca mais recuperaria a mesma pujança social que tivera outrora, embora continuasse a existir e a atuar em Rio Branco e no interior.
A segunda metade da década de 60, portanto, possibilitou a reunião de todos os elementos necessários para promover uma verdadeira revolução musical no Acre.

Mais do que nunca a ligação do Acre com o Rio de Janeiro viu-se fortalecida. Foi Chico Pop quem nos mostrou a incrível rapidez com que as coisas aconteciam no Rio de Janeiro e já se ficava sabendo no Acre. A Bossa Nova de Vinicius de Morais, Tom Jobim e Nara Leão já havia sido então firmemente incorporada nas apresentações de João Donato na Tentâmen, onde ele tinha a ousadia de tocar arranjos complexos e jazzisticos no acordeon, revelando todo o talento que mais tarde garantiriam para ele um papel de destaque no panorama musical brasileiro e internacional. Os programas de calouros das rádios continuavam sendo irradiados ao vivo, nas manhãs de domingo, para todo o Acre, enquanto que “Os Bárbaros” e “Os Mugs” davam maior vitalidade aos bailes do clubes através da radical modificação do repertório tocado nessas ocasiões. Esses fatores, impulsionados pelas novas tendências musicais surgidas no Brasil e no mundo e divulgadas através dos famosos festivais da TV Excelsior, Record e Tupi, conduziam os jovens músicos por caminhos nunca antes trilhados: a jovem guarda, a musica de protesto provocada pelo golpe militar de 64 e o tropicalismo.

A consequência mais imediata e evidente de toda essa movimentação foi a realização, em 1969, do primeiro festival de Rio Branco. Este antológico festival, organizado pelo jornalista Elzo Rodrigues, realizou-se no Cine Rio Branco e foi disputado por nada menos que 162 musicas, demonstrando o tamanho de sua repercussão. Memorável, inclusive por isso, o festival acabou em uma grande confusão provocada pela controvérsia que cercou a musica vencedora, já que a preferida do público (leia-se a moçada do Juventus) era a musica de Chico Pop e seu irmão, defendida por uma parte do conjunto “Os Bárbaros”. Essa musica chamada “Do Mundo vou falar” era claramente inspirada pelo sucesso da musica de protesto de Geraldo Vandré “Pra não dizer que não falei das flores” e possuía muito mais apelo à juventude do que o samba-canção de Crescêncio. Mas, se até os festivais do Rio de Janeiro acabavam em confusão e controvérsia, porque teria de ser diferente no Acre?

Apesar da enorme repercussão desse primeiro festival, durante a década de 70 não houve outros festivais de maior expressão. A exceção foi o Festival do CESEME de 1976, que por falta de continuidade não trouxe maiores consequências. Por outro lado, a força com que as informações e as novas tendências afluíam para o Acre, trouxeram a moda das discotecas, das danças que deixavam “o corpo lindo, leve e solto” e marcaram um refluxo no crescimento da MPB. A juventude passou então a estar mais interessada nos bailes sob luz negra, no John Travolta, no “Dancing Days” e na musica do “Disco”. 

Os Bárbaros

Ainda assim, nos anos 70, a produção musical acreana manteve-se através da atividade dos conjuntos “Os Bárbaros”, “Os Mugs” e outros que foram sendo criados, como “Os Signos”. Esses conjuntos continuavam apresentando-se nos clubes Rio Branco, Juventus e Atlético Acreano; bem como, em cidades do interior acreano e até fora do Acre, em cidades como Porto Velho, Manaus e Cuiabá. É claro que nesse momento ocorreu uma certa modificação no repertório, os conjuntos passaram a enfatizar principalmente as musicas da “Jovem Guarda”, do “Eduardo Araújo” e do “Renato e seus Blues Caps”. Aliás, “Os Bárbaros” ainda chegou a gravar um compacto em Manaus, no que foi logo seguido pelo “Os Mugs”, mantendo acesa a disputa que existia entre os dois grupos.

Portanto, a década de 70 foi marcada por certa continuidade de muitos dos eventos que já vinham acontecendo. Exemplo disso eram os programas de auditório do Cine Rio Branco que mantinham um bom nível de popularidade e continuavam atraindo artistas iniciantes do interior do Acre.

Mas, nos anos 70, aconteceram algumas novidades também. Uma delas foi o surgimento das Escolas de Samba em Rio Branco. Motivados pela importância crescente dos desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, alguns dos blocos carnavalescos formados nos bairros da cidade tornaram-se Escolas de Samba. Tanto que já em 1972 começaram a ocorrer acirradas disputas entre a Escola de Samba Unidos da Cadeia Velha, sob o comando de João Aguiar, que tinha chegado a pouco do Rio, e a Escola de Samba Unidos do Bairro Quinze, comandada pelo baiano-carioca Santinho. As disputas, cujo palco principal era a Avenida Getúlio Vargas, durante as festas de Momo, estendiam-se às rádios que executavam as músicas de cada uma das escolas e movimentavam o panorama cultural de Rio Branco.
*Texto publicado originalmente na Revista Registro Musical, FGB, 1996

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Breve história da música no (vale do) Acre - V*


A influencia das rádios, a chegada de novos músicos ao Acre, os populares programas de calouros, os carnavais e novas influencias musicais como o Jazz e logo a Bossa Nova, aos poucos começaram a provocar, nos final dos 40 e nos anos 50, uma nova transformação na música que estava sendo feita e ouvida por aqui.

Mesmo com as mudanças porque passava a música no Acre, a Banda da Guarda Territorial (como passou a ser denominada a partir de 1945) continuava suas atividades, atendendo aos interesses da elite, e ainda dominando o cenário musical de Rio Branco. Aliás, esta cidade, já há tantos anos capital do Território Federal do Acre, acabava por ser um ponto de forte atração para músicos de diversas cidades e seringais do interior acreano que para lá afluíam atrás de melhores oportunidades de viver de sua arte. Tanto é assim que a composição da Banda nessa época revela a presença de músicos e compositores vindos de diversos municípios acreanos.

Estavam nesse pé os acontecimentos quando Garibaldi Brasil, integrante do governo de Amilcar Dutra de Menezes, no início da década de 50, foi até Belém trazer novos músicos que dessem um maior impulso a música acreana. Logo chegavam ao Acre Raimundo Neves acompanhado por Sandoval dos Anjos, Elias Ribeiro Alves e Mário do Carmo Pires. Eles integravam um conjunto de jazz de Belém e deveriam formar a Jazz-orquestra da Rádio Difusora Acreana para dinamizar sua programação musical. Porém, não demorou muito para que o comando da Banda da Guarda Territorial, que era do Mestre Holdernes, fosse passado para o Maestro Neves (como viria a ser chamado mais tarde) que promoveu certa renovação do repertório da Banda com foxes, rumbas, mambos e músicas brasileiras como a “Aquarela do Brasil”, “Carinhoso”, etc.


Havia, assim, no Acre dos anos 50 uma nova realidade musical. Os carnavais, que sempre haviam tido presença importante na cultura acreana, ganhavam cada vez mais as ruas com a multiplicação dos blocos de sujo que nasciam em bairros como a Cadeia Velha, o Quinze e a Capoeira e assumiam a cidade durante a “Quina Momesca”. Nos assaltos carnavalescos os músicos, acompanhados por grande numero de foliões, à semelhança do que era feito nas alvoradas, invadiam as residências durante todo o mês que antecedia o carnaval. Nos clubes, especialmente no Rio Branco e na Tentâmen, também brincava-se animadamente ao som dos músicos da Banda transformados circunstancialmente em músicos carnavalescos.

As novidades que vinham através do rádio, com seus ídolos de popularidade crescente, traziam um novo elemento fundamental nas mudanças porque passava o cenário musical brasileiro e agora também o acreano: os programas de auditório e de calouros. Este tipo de programa característico da rádio brasileira chegou rapidamente ao Acre. Surgiram assim os programas de calouros da Radio Difusora e um pouco depois os da Rádio Andirá, ambos em Rio Branco. Mas as cidades do interior não ficaram para trás e criaram seus próprios programas de calouros nos colégios, clubes e rádios locais (ver biografias de Geraldo Leite e Franco Silva). 

Esses programas marcaram época por sua imensa popularidade. Os programas de calouros eram semanais e - fossem os promovidos pela Rádio Difusora na Tentâmen ou em seu próprio auditório, fossem aqueles realizados pela Andirá, ao ar livre - sempre eram presenciados por grande numero de animados espectadores que motivavam o surgimento de novos talentos e valores artísticos. Zé Lopes, Índio do Brasil e Natal de Brito eram alguns dos que apresentavam os concursos para músicos, cantores, locutores e atores, com pequenas premiações para os vencedores e a colaboração de alguns dos mais importantes músicos da Banda como jurados (Maestro Neves, Sandoval, etc.). Isso aumentou ainda mais a afluência para Rio Branco de músicos e artistas do interior que vinham se apresentar nos programas de calouros da Capital. No dizer de Crescêncio, “foram pelo menos 10 anos de extraordinária atividade da rádio, que durou pelo menos até quando o Acre foi transformado em Estado, em 1962”. 


O movimento de renovação proporcionado pelos programas de calouros, tornou a Banda da Guarda Territorial pequena para abrigar o novo contingente de músicos, tanto por seus aspectos quantitativos, quanto pelas características qualitativas desse movimento musical. É verdade que a Banda procurava adaptar-se aos novos tempos, especializando diversos de seus segmentos de acordo com gêneros musicais distintos. Ou seja, dentro da Banda da Guarda, existia um grupo menor especializado em choros, outro em valsas e assim por diante. Por outro lado, esses mesmos músicos da banda possuíam atividades musicais diversas, especialmente aquelas destinadas ao ensino da musica e à formação de conjuntos para tocar um repertório não desenvolvido pela Banda. Exemplo disso foi Zeca Torres grande que criou ainda no início da década de 50, dois conjuntos de jazz chamados simplesmente Jazz-A e Jazz-B.

Porém, por mais que o repertório e a técnica instrumental da Banda da Guarda Territorial fossem continuamente aprimorados, sua função social ainda permanecia a mesma: a ingerência do poder instituído sobre a cultura de massas. Isso limitava fortemente a diversificação das atividades da Banda.

Em contraposição a isso o Brasil exportava (e ainda exporta) músicas, melodias e ritmos de qualidade igual ou superior a de qualquer outro país do mundo consumista com sua mídia globalizada. Ou seja, em termos musicais, pelo menos nesses termos, somos o “primeiro mundo”. Com a vantagem de exercermos esse papel através da linguagem universal dos povos, a música. Afinal de contas, não há quem não compreenda a “cadência bonita do samba”.

E o Acre? Este pedaço preterido do mundo. Espaço perdido e atraente para muitos dos novos músicos do interior. Para tanto, colaborava ainda mais o contexto musical brasileiro e mundial em franca ebulição na passagem dos anos 50 para os 60. A nova geração de músicos acreanos queria tocar o samba, a musica popular e as ultimas novidades: a bossa-nova e o rock’n roll, sem ter que restringir-se somente às valsas, marchas e dobrados.

*Texto publicado originalmente na Revista Registro Musical, FGB, 1996 (Ilustrações de Danilo de S'Acre)