segunda-feira, 26 de julho de 2010

Como Assim, Cara Pálida???!!!

(ou “Narciso acha feio o que não é espelho.”)

Duas afirmações proferidas essa semana chamaram a atenção. Uma por ser completamente absurda, outra por ser por demais reveladora. Assim sendo, não posso me furtar a refletir sobre tão palpitante e atual assunto.













Se há um fato inegável em relação à história do Acre é o avanço e a diversificação que as pesquisas sobre os processos históricos regionais têm alcançado nos últimos anos. Uma rápida análise de nossa historiografia revela muito facilmente que antes e ao longo dos anos 70 e 80 um único tema praticamente dominava as pesquisas e a produção histórica regional: os acontecimentos relacionados aos Ciclos da Borracha e a chamada Revolução Acreana.
Os anos 80 e 90 assistiram, então, uma mudança radical deste cenário quando o principal eixo das pesquisas realizadas - especialmente a partir de dissertações e teses de pesquisadores da UFAC - passou a ser a luta que os seringueiros, índios, parte da burguesia urbana e outros segmentos da população acreana travaram contra a mudança do modelo de desenvolvimento regional do extrativismo para a pecuária.
Efetivamente, a realização dos empates, o fenômeno das invasões urbanas, o desmatamento acelerado, a crise do governo acreano que atingiu, em fins de 90, o auge de seu sucateamento e desmando, forneceu matéria prima rica e abundante para uma nova configuração historiográfica que não se restringiu apenas às novas temáticas, mas, especialmente, levou à adoção de novos métodos e abordagens teóricas. Como, por exemplo, o crescente emprego de técnicas de história oral, que aproximou radicalmente a produção científica da vida das pessoas e das comunidades acreanas e passou a dialogar intensamente com toda problemática econômica e social que o Acre atravessava naquele momento, assumindo assim forte papel político no contexto amazônico e nacional.Mais tarde, desde o final dos anos 90, a emergência de um novo contexto sócio-político no Acre possibilitou não só uma ampliação ainda maior dos temas e abordagens efetivadas pelos historiadores e outros pesquisadores locais, como também a revisão dos temas, já tradicionais, já citados anteriormente.













Com isso pudemos assistir à multiplicação de livros, revistas e artigos sobre negros, sírio-libaneses, mulheres, cidades, patrimônios culturais, comunidades ayahuasqueiras, entre muitos outros. Além do que, efemérides relacionadas ao centenário da Revolução Acreana, da criação do Território Federal do Acre e de fundação de algumas das principais cidades acreanas, ensejou uma revisão que ressignificou muitos desses acontecimentos não apenas em âmbito local, mas logrou influenciar uma nova produção historiográfica nacional.
Entretanto, mesmo uma analise superficial será capaz de revelar que, em nenhuma outra área do conhecimento este desenvolvimento foi tão grande quanto na historiografia dos povos indígenas como elemento fundamental da formação da sociedade acreana.
Este desenvolvimento teve duas conseqüências principais: o aprofundamento (ou alongamento, se preferirem) temporal da história acreana, que passou a ser considerada em milênios, ao invés de séculos como antes; e a ampliação territorial e temática das abordagens, estendendo nossa história até territórios bolivianos e peruanos, graças à análise das inter-relações culturais estabelecidas entre os povos indígenas de toda a Amazônia sul-ocidental, levando-nos até os contrafortes andinos; bem como através do desenvolvimento de pesquisas nos campos da etno-linguística, etno-arqueologia, cultura material, estruturas mitológicas, estudos das paisagens culturais (que mencionei no artigo anterior), etc, etc, etc.
E, pra quem conhece minimamente a historiografia acreana, é extremamente fácil comprovar estas afirmações. Basta considerar o quanto se tem produzido nos últimos tempos. Desde a pioneira tese de doutorado de Jacó Picolli, que sistematizou as informações até então disponíveis para os povos indígenas acreanos; passando pelo extraordinário trabalho desenvolvido pela CPI-Acre - com sua inédita construção de uma história definida e contada pelas próprias etnias indígenas – com o projeto “Uma experiência de autoria”; pelos artigos desse humilde escriba que vos fala nesta coluna, e que não foram poucos nos últimos dez anos; pelo admirável trabalho desenvolvido por Manuela Carneiro e Mauro Almeida, especialmente focados no Juruá; até chegarmos às publicações da revista Povos do Acre, em 2002, da nova versão da “Povos do Acre”, agora de 2010, e da linda (e importante) revista “Índios isolados no Acre”, recentissísimamente lançada pela Biblioteca da Floresta. Para citar só alguns trabalhos e publicações, entre muitos outros.
Por isso, causou espanto a afirmação de que “a partir de agora a história do Acre não poderá mais ser contada a partir de Plácido de Castro e de Galvez”. Como assim, Cara pálida??? E quem é que está contando a história do Acre assim???
Diante de tudo o que já assinalamos anteriormente se pode constatar que esta idéia sobre a história acreana está atrasada em, pelo menos, quarenta anos. E desconhece, o que é ainda pior, que a atual historiografia acreana está fortemente lastreada por movimentos sociais e políticos a partir dos quais, aqui no Acre, o conhecimento histórico deixa de ser exclusivo das cátedras e das publicações científicas para ganhar as ruas, esquinas, jornais, blogs, etc.O que nos leva à segunda afirmação absurda dessa semana... Mas que... por absoluta falta de espaço... fica pra próxima. Até lá.


sexta-feira, 23 de julho de 2010

Eu prefiro ser essa... do que ter aquela...

Decidi mudar as regras.
Por que elas existiriam senão pra isso?
Explico-me...
Este blog foi feito pra postar as matérias que publico no jornal Página 20, ordinariamente aos domingos e extraordinariamente a qualquer momento.
Mas, de repente, me pergunto... Porquê?
Como não tenho respostas convincentes...
Lá vai uma coisinha de antedonte...

Com que alegria
E desprendimento
Me jogo aos prazeres,
Vícios, deleites...
Ligeiro e avexado,
Espontâneo e descolado...
Abestado...

Acreanês
Que já me corre nas veias
Com cheiro de sertão na floresta
E blues na encruzilhada do varadouro.

Como anda baixa
A qualidade de meus versos...
Como anda rápida
Minha perdição...

Minha virtude
Tão virtual
Quanto essa
Tela em branco...

As Zanjas Circundantes da Amazônia Boliviana e a paisagem cultural pré-histórica

Por diversas vezes, aqui nesta coluna, ao tratar dos nossos sítios arqueológicos geométricos, mencionei as importantes pesquisas realizadas por Clark Erickson e outros pesquisadores na Bolívia. Recentemente, localizei outro artigo muito interessante que trata das “Zanjas Circundantes” (que aqui no Acre tem sido chamadas de geoglífos) como elementos da Paisagem Cultural da Amazônia Sul-Ocidental, linha de pesquisa que vem sendo desenvolvida por vários pesquisadores já há muitos anos.


Desde que começou a pesquisar aqui no Acre o arqueólogo Ondemar Dias Jr. se preocupou em buscar elementos que apontassem possíveis ligações dos sítios com estruturas de terras (“geoglífos”) do Acre com outras ocorrências semelhantes em áreas próximas daqui. A partir de algumas cerâmicas arqueológicas Ondemar percebeu uma possível correspondência do Acre com o Llano de Mojos, região no norte da Bolívia que, além da cerâmica, também apresenta diversas e diferentes estruturas de terra de forma geométrica, ou não. Aliás, um assunto que já tive oportunidade de tratar aqui nesta coluna por diversas vezes.
Ou seja, este não é propriamente um assunto novo. A novidade reside no tratamento que Erickson, Alvarez e Calla – autores do artigo “Zanjas Circundantes: obras de tierra monumentales de Baures en la Amazonia Boliviana”, publicado em 2008 – deram aos sítios arqueológicos que estudaram. E que tem muito a nos ensinar na pesquisa sobre os sítios geométricos acreanos.
Ao invés de se jogarem no mar revolto das especulações, os autores citados acima se dedicam a analisar detalhadamente as ocorrências da região de Baures, vizinha ao Llano de Mojos, antes de tirarem quaisquer conclusões sobre a existência e as funções das estruturas de terra arqueológicas.
Assim, de forma bastante coerente e responsável, Erickson et all, discutem uma série de possibilidades teóricas e metodológicas de análise dos sítios com estruturas de terra quanto às suas formas, suas dimensões, sua composição arqueológica, quanto às suas associações com outros elementos da paisagem (bosques, recursos hídricos, etc.), suas datações específicas e cronologias relativas, quanto às informações etno-históricas, às nomenclaturas aplicadas a essas ocorrências, entre muitos outros aspectos relevantes.
Com isso os autores passam a dispor de um conjunto de informações e variáveis que lhes possibilitam discutir diversas possibilidades de funções para essas “Zanjas circundantes”. Desde as mais evidentes, como a sempre lembrada função defensiva, até as mais inusitadas, como a possibilidade de aprisionamento e criação de animais típicos da fauna amazônica, demarcação de territórios entre grupos coligados ou rivais, funções ritualísticas ou cerimoniais, ou manejo de água e/ou de cultivares.
Amplia-se muito, dessa forma, o campo de discussão sobre essas intrigantes e desafiadoras ocorrências arqueológicas. Com o diferencial de que as especulações e hipóteses acerca dessas diferentes possibilidades são pautadas na análise de seus elementos constituintes, ao invés do velho e perigoso apelo midiático.
E o que é ainda melhor. Erickson e seus parceiros desenvolveram todo esse extraordinário trabalho de pesquisa científica baseado na análise no que chamam de “Arqueologia da Paisagem e Ecologia Histórica”, que é assim sintetizada por eles: “(...) una visíon regional de los sítios arqueológicos incidiendo em las transformaciones causadas en el entorno tanto por processos naturales como culturales, generando um paisaje cultural a lo largo de múltiples sucesiones temporales y espaciales.” (2008, pág. 11).
Um conceito muito próximo daqueles que venho trabalhando na interpretação da arqueologia acreana como já deixei evidente aqui, em diversos artigos sobre os “Campos da Natureza” e sua relação com os chamados “geoglífos”, sobre as possíveis conexões históricas e culturais dos povos indígenas do Acre com os povos andinos e de outras terras baixas amazônicas, sobre as interpretações de nossos sítios arqueológicos com estruturas geométricas, sobre a relação destes com a etno-história acreana e amazônica, e todos os outros argumentos que já são bem conhecidos pelos improváveis leitores desta coluna.
Mas não só. Em novembro ano passado tive a oportunidade de apresentar o trabalho “Antisuyo – Aquiry – Mojos: A Longa Formação da Paisagem Cultural do Acre” na mesa temática – “Colonialidade e decolonialidade de saberes históricos em Áfricas e Américas ao sul” que aconteceu durante o III Simpósio Linguagens e Identidades da Amazônia Sul-Ocidental,- Línguas, linguagens e fronteiras e II Colóquio Internacional - As Amazônias, as Áfricas e as Áfricas na Pan-Amazônia, que foi promovido pela UFAC.
Afinal, sempre defendi aqui a tese de que a arqueologia amazônica é por demais rica e complexa para merecer que fiquemos eternamente presos aos paradigmas da velha e desgastada briga entre os defensores da Betty Meggers e os seguidores de Anna Roosevelt. Uma briga teórica-conceitual-política que já deu o que tinha que dar, sendo muito mais relevantes as novas abordagens de pesquisadores como Eduardo Neves e Clark Ericson, entre outros, dedicados, já há bastante tempo, ao estudo e interpretação das paisagens culturais amazônicas. Um belo exemplo, enfim, para arqueologia acreana que precisa mesmo reencontrar um caminho seguro e produtivo para seu desenvolvimento.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Extra! Extra!

O Início do Fim da Imprensa

O Jornal se acabou
1ª Manchete do dia

No domingo passado, como sempre costumo fazer, fui ao centro comprar jornais. Não encontrei o jornaleiro da esquina do Banco do Brasil, que sempre foi meu preferido. Cansei de parar pra conversar com ele e saber o complemento das noticias dos jornais de sua banquinha. Afinal, ninguém entende mais de notícias do que os jornaleiros. Além do que, toda vez que eu não tinha trocado, ou dinheiro mesmo, ele me dava os jornais pra pagar na terça (o que eu sempre fiz questão de honrar, pra não dar margem a dúvidas).
Mas, como ele não estava ali mesmo, tive que descer a Getulio pra comprar daquele outro jornaleiro da esquina do Mercado Velho. E como uma antiga novidade, sua pequena banquinha estava cercada por algumas pessoas, às quais me juntei pra praticar a clássica e tradicional arte tão propalada por nossa querida Rádio Cipó: jogar papo fora, nem que seja miolo de pote.
Logo me puz a reclamar da ausência do jornaleiro de cima e a perguntar o porquê de seu sumiço, já temendo que tivesse alguma notícia não muito boa a seu respeito, uma vez que os tempos andam tão nervosos que, entre um dia e uma noite, tudo é possível. Fui surpreendido então pela informação de que ele simplesmente tinha desistido de vender jornais, bem como aquele outro jornaleiro que costumava ficar nas imediações do Hotel Rio Branco. E quando me atrevi a questionar a razão dessa desistência, a resposta dele foi simples, mas avassaladora... “O Jornal se acabou”. E diante de minha cara abestalhada ele completou o serviço dizendo... “Ninguém lê mais jornais.”Foi como se o mundo tivesse desabado.

O triste fim do JB
2ª Manchete do dia



No meio desta semana, estava inocentemente navegando no blog do Gomes, quando me deparei com uma notícia estarrecedora. A diretoria do Jornal do Brasil anunciou que muito em breve este deixará de existir na forma impressa e passará a existir apenas na “forma tecnológica”.
Imediatamente minha mente foi jogada em uma viagem na qual voltei a ver imagens que pensava esquecidas. Lembrei do vício que fui adquirindo aos poucos, como costumam ser os melhores vícios da vida, de ler jornal todo santo dia. Sempre o “Jornal do Brasil”, é claro, já que o “O Globo” era, abertamente, porta-voz da Ditadura Militar.
Com esse costume cresci e quando comecei a trabalhar de verdade só tinha tempo de ler no ônibus. O que, normalmente, significava a pratica de um difícil malabarismo que só conhece quem tem o hábito de ler jornais em ônibus cheio. Em compensação minhas longas viagens passavam rápidas e repletas de textos de alta qualidade dos articulistas daquele extraordinário jornal.
Por conta disso desenvolvi outros dois hábitos que já não me acompanham mais. O primeiro era uma técnica que aprendi olhando outros leitores-de-jornais-em-ônibus mais antigos que eu. Consistia em abrir as páginas dos jornais e dobrá-las pelo meio, no sentido vertical, para depois dobrá-las novamente no sentido horizontal. Dessa forma o jornal passava a ser dividido em quatro partes, ao invés de duas, ficando com o tamanho de um livro. O que facilitava muito a leitura e a passagem das páginas, sem ter que dar cotoveladas no passageiro ao lado, mesmo que o ônibus estivesse botando gente pelo ladrão. O segundo hábito era ler o jornal de trás pra frente. Eu sempre começava pela página de esportes e vinha desfiando o jornal até chegar na parte mais pesada e menos prazerosa do jornal, a seção de política.E, então, lembrando do quanto o “JB” foi importante na minha formação, na minha vida, na minha compreensão de mundo, fui inundado por saudades atrozes. Saudades do Caderno B, das Colunas do João Saldanha (o “João sem Medo” do jornalismo brasileiro), do Caderno Idéias, e tantas outras pequenas “cositas” que marcaram o meu tempo de vida, que senti como se tivesse recebido a notícia da morte de um parente ou de um amigo muito, muito mesmo, próximo.

Novos tempos estranhos
Do que não dá Manchete

Algumas vezes (acho que não muitas) reclamei aqui nesta coluna destes novos tempos internéticos. Desconfio da fragilidade desse suporte digital. Tenho traumas de tantos arquivos que perdi nos “paus” que essas máquinas infernais costumam dar sem nenhum aviso prévio. Além do que gosto demais de pesquisar sobre as coisas da história em livros e jornais antigos, a ponto de criar certo vício em cheiro de papel velho.
E se, de repente, o sol se enfurecer e mandar uma tempestade solar carregada de magnetismo e outras radiações desconhecidas apagando (ou “deletando” pra usar o termo da moda) todos os arquivos digitais do planeta??? De que irão se alimentar os historiadores do futuro, se tudo agora está sendo escrito na internet e muitas vezes (na maioria) só na internet? Não vai sobrar nada. Nem textos, nem imagens, nem vestígios desse nosso louco e estranho tempo.
Eu confesso. Tenho medo dos dias que virão. E não só porque a palavra impressa no papel nos dá a sensação de permanência (uma quase eternidade). Não apenas porque amo os livros e não há prazer (entre os prazeres solitários) no mundo que se iguale a folhear um livro deitado na cama, esperando o sono chegar, enquanto a imaginação viaja pelos mais recônditos e exóticos lugares e situações. Mas porque desconfio desse novo jornalismo que está surgindo.
Por tudo o que já li e vivi, acho que a experiência da redação do jornal é imprescindível para a pratica do jornalismo. Acho (porque não sou um profissional da notícia, então só posso achar) que redação de jornal é que nem banca de jornaleiro. Um lugar onde as notícias ecoam, repercutem e são discutidas até serem curtidas o suficiente para então serem impressas nas páginas dos jornais.
O que será desse novo jornalismo, agora já quase um vício solitário do sujeito diante da tela de seu computador, usando crtl c + ctrl v, para produzir matérias e mais matérias, ainda que sem nenhuma consistência. Daqui a pouco tempo, provavelmente, os blogs (ou seu irmão mais novo, o twiter) se tornarão a principal fonte das notícias em tempo real desbancando não só os jornais, mas até mesmo os sites “jornalísticos”.
Nesse dia, então, será decretado o fim da imprensa, como ação de publicar notícias impressas. Prenúncio do fim do próprio do jornalismo como ação coletiva, a partir do que será estabelecido um novo e solitário paradigma do jornalismo como ação individual, submetido a todas as idiossincrasias que carregam os indivíduos. Um novo mundo onde não haverá mais lugar nem para jornaleiros e nem para jornalistas... O que, convenhamos, será o fim dos tempos, pelo menos na forma que os conhecemos.
Sinceramente, eu não sei se quero estar aqui quando esse dia chegar...

sábado, 10 de julho de 2010

Como nos roubaram o futebol.

(ou Os ingleses, sempre os ingleses!)

No mês passado escrevi um artigo no início da Copa do Mundo, já que as copas costumam marcar fortemente o tempo de nossas vidas. O resultado é que acabei prometendo ao Ulisses, lá no blog desta coluna, contar aqui uma história, antes do final da Copa, que há muito tempo me perturba e que pode revolucionar toda a história do futebol mundial. Mas, vamos por partes, como diria o Jack (Já que... estamos falando de ingleses).

Tem uma história muito antiga do pré-acre que é praticamente desconhecida hoje, mas que me fez pensar que, curiosamente, na mesma época em que aquele explorador inglês safado, chamado Henry Wickham, pirateava milhares de sementes de seringueiras, levando-as pra Malásia e nos roubando pra sempre a fortuna da borracha, um outro inglês, menos conhecido, mas igualmente safado, roubava o futebol de nossos índios. Foi assim...

Era a década de 60 ou 70 do século XIX, já não me lembro ao certo. Um inglês solitário, acompanhado de poucos ajudantes, chegou a bordo dum pequeno barco a vapor, ou vaporzito como se dizia na época, à região do médio rio Purus. Ali nas imediações do Pauini e do Ituxi. Território incontestável dos Índios Apurinã, etnia guerreira que possuía uma relação de predominância com seus vizinhos Machineri (pelo Alto-Purus), Capechene (pelo rio Acre) e Jamamadi (pelo médio-Purus).
Este inglês se chamava Asrael Piper e vinha com seu vaporzito ao território Apurinã para ficar. A riqueza da Amazônia desconhecida era o novo mito a ser desvendado pelo século XIX. Milhares de europeus de todos os tipos sonhavam em realizar aqui, na imensa floresta misteriosa, seus mais desvairados sonhos. E Asrael não era diferente.
Eu hoje já não consigo avaliar muito bem, o que queria mesmo e quem era esse inglês. O certo é que Asrael tinha vindo pra ficar e reinar sobre os Apurinã. Fundar aqui, nesse pequeno pedaço da floresta distante, um novo país, uma sociedade comunitária formada pelos índios e ele, que seria, assim, portanto, o rei do novo reino.
No início, com o olhar sempre prático e pragmático dos índios, os Apurinã deixaram aquele homem estranho ficar por ali, aproveitando as muitas coisas valiosas que ele trazia em seu vaporzito: terçados, machados, armas. Afinal, a cada dia mais a frente de expansão seringueira se aproximava dos altos rios, como uma avalanche que devastaria todos esses territórios em pouco mais de dez anos. Era conveniente se acostumar ao comércio, às estranhezas e as desonestidades dos novos invasores.







Não demorou muito pra Asrael perceber que os Apurinã, não só eram esplendidos guerreiros, o que talvez tivesse grande utilidade na cabeça do inglês, como mantinham uma sofisticada organização em tribos que ocupavam vasto território, tanto na terra firme e igarapés interiores, como nas margens dos maiores rios a região. Além do que mantinham uma complexa rede comercial com outros povos de rios distantes.
Isso também, provavelmente, interessou muito ao inglês. E apesar do segredo que os índios guardavam sobre suas varações, rotas comerciais por onde levavam e traziam produtos diversos, os Apurinã concordaram em levar Asrael a um encontro com os índios Cacharari, com quem os Apurinã comercializavam pedras do Abunã e do Madeira para fabricar lâminas de machado.
Qual não foi a surpresa de Asrael ao entrar na aldeia Cacharari e se deparar com um grande campo aberto, em frente à principal maloca, onde os guerreiros corriam e disputavam a posse de uma bola de borracha feita do leite abundante das seringueiras.
Entre surpreso com aquela inusitada paisagem e fascinado pela forma com que aquela bola quicava no chão limpo e era dominada pelos índios que só não podiam usar as mãos para passar a bola para o campo do grupo adversário e assim vencer a disputa. Eu não vi, mas seria capaz de jurar que os olhos de Asrael Piper brilharam nesse momento. Ele imediatamente percebeu que poderia levar aquelas bolas de borracha e a idéia daquele jogo para a Europa. Certamente a nobreza cansada de tanto correr atrás de raposas, haveria de se deleitar com aquele empolgante novo esporte.
Piper já podia ver seu nome cantado pelos bardos londrinos, enaltecendo as qualidades do glorioso, audaz e brilhante inventor de um novo tipo de entretenimento, que rapidamente se tornou moda em toda a Grã-Bratenha e daí para todos os outros países “civilizados”. Asrael logo definiu também o nome do novo esporte: Footh ball, jogado com os pés. Talvez ele nem precisasse mesmo contar que tinha visto índios jogando em plena Amazônia e pudesse ter toda a glória dizendo que simplesmente inventou aquele jogo...
E foi assim, que na mesma década em que um inglês, hoje famoso, roubava de nós as sementes das seringueiras, outro inglês, quase desconhecido, nos roubava definitivamente a invenção do futebol...

Bueno, a essa altura da história tenho que avisar que tudo o que contei acima é verdade, menos o final, que é inventado, apesar de perfeitamente possível. A parte da viagem do Inglês Asrael Piper e seu vaporzito ao Reino dos Apurinã é real, e nos foi relatada por J.M.B. Castelo Branco Sobrinho em artigos publicados na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro nas décadas de 40 e 50.
As informações sobre os costumes e territórios dos índios Apurinã, bem como sobre o fato dos Cacharari jogarem mesmo um jogo muito semelhante ao futebol com bolas de borracha também tem a mesma fonte. Entretanto, a parte da viagem do inglês até a aldeia Cacharari e a possível invenção do futebol, em plena Amazônia, nos idos de 1870, apesar de plausíveis, só não são verdadeiras por dois pequenos detalhes.
O primeiro é que nesta mesma época o futebol já tava sendo muito jogado na Europa, com muitas das suas regras básicas já estabelecidas. Isso sem mencionar outros possíveis inventores, como os chineses, ou os astecas, etc. Ou seja, mesmo que Asraeel tivesse voltado à Europa, teria chegado, pelo menos, uns trinta anos atrasado. O que nos leva ao segundo pequeno detalhe. Na verdade, Asrael Piper, o louco aventureiro solitário inglês realmente nunca mais deixou o seu sonhado País dos Apurinã.
Aconteceu que certo dia, depois de encher demais o saquinho dos pobres índios, estes decidiram come-lo (no sentido pleno e literal do termo). Pondo fim à única possibilidade de glória de mais um dos tantos ingleses que por aqui passaram para nos roubar isso ou aquilo. Pois, como todos sabem, qualquer coisa que possa ser roubada, seja uma montanha de ouro, uma semente, ou mesmo uma simples idéia, sempre interessou aos ingleses. Sempre os ingleses...









quarta-feira, 7 de julho de 2010

Brasília/Brasiléia

Um século de lembranças/esquecimentos*

É muito difícil explicar o que permanece na memória de um povo e aquilo que cai no esquecimento sem motivo evidente. Como é ainda mais difícil tentar explicar porque algumas histórias ficam enquanto outras tantas, às vezes muito importantes, desaparecem como se nunca houvessem existido. Eu mesmo não sei.



Ao procurar informações sobre a fundação da antiga vila Brasília, atual cidade de Brasiléia, nossa ilustre aniversariante centenária, tomei conhecimento de que ela teria surgido de uma certa briga que aconteceu em 1910 entre um juiz designado para aquele termo judiciário e um seringalista. Pelo menos é isso que consta da nossa “história oficial”, como gostam de dizer alguns historiadores.
Confesso que fiquei encafifado então, porque a história que conheço é outra, bem distinta dessa. Penso que Brasiléia surgiu de uma seqüência de acontecimentos, aparentemente desconexos, que ao fim resultaram na inevitável fundação de uma cidade exatamente neste local. Nem pra lá, nem pra cá, mas precisamente ali às margens do Igarapé Bahia.
Brasiléia começou a surgir, ainda em 1895, durante o trabalho da comissão demarcatória binacional. O trabalho desta comissão, que era chefiada pelo General Thaumaturgo de Azevedo representando o Brasil e pelo General Pando em nome da Bolívia, resultou, de certa forma, no surgimento da “Questão do Acre”.
Se, por um lado, foi nesta comissão que o Gen. Pando tomou conhecimento da ocupação das terras bolivianas do Purus e do Acre por milhares de brasileiros e a consequente perda de uma enorme fortuna em impostos sobre a borracha por parte de seu país, por outro lado, foi nessa ocasião também que o Gen. Thaumaturgo soube que se a demarcação da linha imaginária acertada no Tratado de Ayacucho (1867) fosse realmente efetivada milhares de brasileiros que habitavam o Acre seriam abandonados pelo governo brasileiro e estariam submetidos ao governo boliviano.
Diante disso o Gen. Thaumaturgo se negou a proceder a demarcação, denunciando o absurdo daquela situação ao governo. Entretanto, para sua surpresa, numa daquelas passagens da história brasileira que são difíceis de explicar, o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, mandou ignorar a população que ali habitava e realizar a demarcação como prevista no tratado.
E, num gesto de grande ousadia, raro para um militar, o Gen. Thaumaturgo de Azevedo se recusou a cumprir aquelas ordens que trariam grandes ameaças à soberania nacional e, principalmente, aos brasileiros responsáveis por tudo o que havia sido construído no Acre até então, e se demitiu da comissão demarcatória.
Em seu lugar o governo brasileiro, contrariado, nomeou seu ajudante o Cel. Cunha Gomes que, junto com o Gen. Pando (agora consciente dos problemas ocasionados pelo abandono de suas fronteiras nacionais), concluiu a demarcação. Surgia assim a famosa “Linha Cunha Gomes”, resultado de um ato de covardia do governo brasileiro, como cansaram de denunciar os jornais da época, e que seria o estopim da Revolução Acreana, exatamente como havia previsto Thaumaturgo de Azevedo.
Pouco tempo depois, a partir de 1899, o Acre se tornou palco de uma série de conflitos e confrontos entre brasileiros e bolivianos. A noticia da assinatura do contrato de arrendamento do Acre entre a Bolívia e o Bolivian Syndicate precipitou os acontecimentos e fez com que se desencadeasse uma verdadeira guerra em 06 de agosto de 1902.
E, nem bem tinha começado a guerra, ainda restrita à Xapuri e à Volta da Empreza (atual Rio Branco), quando Nicolas Suarez, o poderoso proprietário dos maiores e mais ricos seringais bolivianos, decidiu armar seus homens e criou a famosa Coluna Porvenir para resistir contra os brasileiros já que o exército boliviano parecia incapaz de fazê-lo.
Assim, em 10 de outubro de 1902, aconteceu o inevitável. Brasileiros comandados por Manuel Nunes Tavares e bolivianos liderados por Maximiliano Paredes se enfrentaram às margens do Igarapé Bahia num dos maiores confrontos registrados pela história da Revolução.
Infelizmente, o resultado deste combate foi trágico para os brasileiros que foram massacrados nas trincheiras que cercavam o barracão do Bahia, incendiado pelas flechas do índio Ixiameño Bruno Racua (aquele mesmo da estátua que até hoje enfeita uma das praças de Cobija).


Mas, logo, os brasileiros se recuperariam desta derrota e avançariam de vitória em vitória até tomar Porto Acre, em janeiro de 1903, expulsando os bolivianos definitivamente das terras acreanas. Apesar da reação esboçada pelo Gen. Pando, agora Presidente da Bolívia, que assumiu pessoalmente o comando das tropas bolivianas para enfrentar o Cel. Plácido de Castro na frente de batalha do Tahuamanu.
Entretanto, nunca mais os brasileiros dominariam a outra margem do Igarapé Bahia, que desde o combate ali travado, se tornou a verdadeira e real fronteira entre os dois povos em luta.
Está claro, portanto, porque o Gel. Pando, pouco depois de terminada a Revolução Acreana, ainda em 1906, se preocupou em fundar ali, no local do combate de triste memória para os brasileiros, uma cidade que se chamou inicialmente Puerto Bahia e, mais tarde, a partir de 1908, Cobija. Ele tinha muito viva em sua memória, não só os acontecimentos do período da Revolução, mas também as dificuldades da demarcação da Linha Cunha Gomes. O que revelava ser imprescindível ocupar essa região, ou seria impossível evitar futuras perdas territoriais.
Parece claro, então, que seria inevitável também a fundação de uma cidade brasileira como contraparte à Cobija. Faz parte da dinâmica fronteiriça. A criação de uma cidade de um lado da fronteira sempre acaba levando à criação de outra cidade do outro lado da fronteira.
Esta característica pode ser lida nas entrelinhas daquela “história oficial” mencionada no principio. Quando dá conta de que, depois da expulsão do seringal Nazaré, o juiz e o escrivão “(...) dirigiram-se a Cobija (...) onde foram hospedados por patrícios ali residentes(...). Conduzindo às costas todo o material e arquivo do juizado, os dois funcionários causaram hilaridade às pessoas que os viram atravessar as ruas da cidade boliviana. Dizia-se (...) que a justiça do 3.° Termo andava num ‘jamaxi’, de seringal em seringal, esmolando hospedagem.
Vários brasileiros residentes em Cobija, feridos no seu amor pátrio não puderam ficar indiferentes a esse acontecimento (...). Organizou-se, então, uma comissão (...) com o fim de adquirir o local para fundação de uma vila(...).
Ultimados os preparativos no domingo de 3 de julho de 1910, às 7 horas, cerca de 100 pessoas, entre homens e mulheres, deram início à derrubada da mata sob ardoroso entusiasmo.” (in Enciclopédia dos Municipios Brasileiros, IBGE)
Ou seja, devemos reconhecer que, de certa forma, Brasília/Brasiléia foi resultado muito mais do Combate do Igarapé Bahia e da Fundação de Cobija do que propriamente da briga do juiz com o seringalista. Mas, convenhamos, não deixa de ser muito interessante o fato de que a história da fundação de Brasiléia que ficou na memória de seus moradores, tenha sido apenas a história brevemente descrita acima. Ao mesmo tempo em que foram completamente esquecidas todas as outras histórias que antecederam a criação da cidade e que, em ultima instância, a explicam. Até porque não podemos desconhecer que Brasiléia, por força desse destino de fronteira, demarcou em nossa história exatamente onde terminou a Bolívia e começou o Brasil.
De que são feitas, então, as cidades? De memórias ou de esquecimentos? Ainda não sei dizer. Só não consigo me esquecer que foi exatamente na Vila Brasília que aconteceram os primeiros trabalhos com o Santo Daíme pelos maranhenses Antonio e André Costa e Irineu Serra, ainda nas primeiras décadas do século passado, uma história que também parece ter sido esquecida na atual Brasiléia. Mas essa já é uma outra história. Vamos lembrar?
*Adaptação do texto escrito para a publicação comemorativa do centenário de Brasiléia.

A luta sem fim (2ª Parte)

Os 100 anos da Revolta Autonomista do Juruá

Apenas seis anos depois de encerrada a Revolução que conseguiu conquistar o Acre para o Brasil, as vozes da revolta popular voltaram a se espalhar pelos rios acreanos. Desde as margens do Abunã até o Moa, a indignação era geral e conduzia a sociedade a buscar soluções mais efetivas para o eminente conflito que se anunciava.

Com a criação do Território Federal os acreanos se tornaram cidadãos de segunda categoria em seu próprio país. Não possuíam o direito de escolher seus governantes, não tinham representatividade no Congresso Nacional e não votavam sequer para compor o poder legislativo (que ainda não existia) no Território. O direito do voto, base do sistema republicano, era totalmente vedado aos acreanos. Tratava-se de uma das regiões mais ricas do Brasil no início do século e paradoxalmente era uma das pobres, já que era impedida de arrecadar os impostos sobre a borracha e vivia das esmolas de um governo que não reconhecia suas necessidades mínimas. Assim, tudo o que os acreanos queriam era seu legítimo direito à autonomia política e econômica, pressuposto básico do federalismo republicano. O acreano era ainda um brasileiro renegado pelo Brasil, tal e qual à época em que ainda estava sob domínio da Bolívia.
Parodiando Euclides da Cunha que escreveu nessa mesma época que “o seringueiro era um homem que trabalhava para escravizar-se” poderíamos dizer que o acreano era um homem que lutava por uma nacionalidade que o negava.
Foram por isso formados em todo o Território Federal do Acre, de alto a baixo dos diversos vales, clubes e grupos políticos que tinham como bandeira a autonomia através da transformação do Acre em estado. Era preciso fazer valer a vontade soberana desse povo guerreiro que por suas próprias forças tornara-se parte do Brasil.
E a situação para deflagrar o movimento de revolta contra o governo federal surgiu com a nomeação e chegada em 1910 de um novo Prefeito Departamental no Alto Juruá. Entreguemos a palavra ao cronista-mor dessa história.
“A 1º de maio de 1910 chegava a Cruzeiro do Sul o Sr. João Cordeiro, nomeado prefeito do Departamento. Já então lavrara em todos os espíritos profundo descontentamento pela indiferença do Poder Legislativo para com o Acre. A chegada do novo prefeito e alguns atos seus, que a população recebeu com desagrado, acirraram os ânimos dispostos à insuflação de idéias subversivas.
Preparou-se abertamente, quase às escancaras, o movimento sedicioso, com a cumplicidade formal da força federal sob o comando do capitão Fernando Guapindaia, o apoio unânime de todos os proprietários, dirigidos pelo venerando Francisco Freire de Carvalho e, por fim, do próprio prefeito, que aderiu à sublevação na impossibilidade, talvez, de a ela resistir com sucesso, consentindo em retirar-se e até comprometendo-se a defender, no Rio, a revolução, perante o governo federal.” (Craveiro Costa, 1973, pág.164)
Foi com isso, no dia 1º de Junho, deposto o Sr. João Cordeiro, assumindo o governo do Departamento do Alto Juruá uma Junta Governativa composta por Mâncio Rodrigues Lima, João Bussons e Francisco Freire Carvalho integrantes do Partido Autonomista em nome do qual tomavam o poder.
A Junta Governativa divulgou então um manifesto a todo o povo do Acre, onde se revelava claramente que essa revolta pretendia ser de todo o Território Federal e não apenas do Juruá. Como maior demonstração desse objetivo, os revoltosos proclamaram como governador do estado do Acre o Cel. Antonio Antunes de Alencar, acreano histórico que havia lutado no rio Acre ao lado de Joaquim Vitor, Rodrigo de Carvalho e Plácido de Castro. Esperavam assim obter apoio dos seringais e núcleos urbanos do Alto Acre, o mais rico e desenvolvido dos três departamentos. Para completar sua articulação política, os revoltosos do Juruá indicaram o Purus (Sena Madureira) como a sede do novo governo do estado unificado do Acre. Estava desenhada a proposta de acordo imaginada pelo Juruá para unir toda sociedade acreana em torno do objetivo comum da autonomia estadual, que foi amplamente divulgada através de um documento endereçado a toda nação brasileira. O Juruá tornava-se notícia no cenário da política nacional do governo do Presidente Nilo Peçanha e ganhava as páginas da imprensa internacional.
Entretanto, a Junta Governativa, ao lado de outras medidas, tomou a decisão de proibir a exportação da borracha do Juruá enquanto não se chegasse a solução do conflito. É evidente que essa medida desagradou enormemente às praças de Manaus e Belém, grandes beneficiadas pela exportação da borracha amazônica, que passaram a articular uma contra-revolução.
Manaus tornou-se o principal palco dos acontecimentos e da decisão sobre os rumos da revolta autonomista. “O emissário do Juruá, Sr. João Bussons, fraternizou com o comércio, com o comércio fraternizou o governador aclamado, e o comércio passou a custear largamente as embaixadas de conciliação aos Departamentos. Era o primeiro golpe. Os panos mornos de um acordo foram estendidos sobre o movimento revolucionário”. (Craveiro Costa, 1973, pág.170)
Ao mesmo tempo em que tentava costurar com o governo federal um acordo que pusesse fim ao conflito que tanto desagradava aos poderosos aviadores e exportadores, Antonio Antunes de Alencar tratava de isolar o Juruá fornecendo informações desencontradas de resistência do Purus em aderir ao golpe e da inviabilidade de contarem com o Alto Acre. A traição infiltrara-se no movimento sem que disso se dessem conta os revoltosos.
Enquanto isso Cruzeiro do Sul convivia normal e pacificamente com o governo da Junta Governativa do Partido Autonomista. Afinal de contas, era verão e dificilmente o governo federal teria condições de enviar tropas para o Alto Juruá. A chegada do Sr. João Bussons trazendo uma proposta de conciliação costurada por Antonio Antunes foi atentamente analisada pela Junta Governativa que decidiu acata-la, apesar da discordância de alguns autonomistas de peso. Um acordo político parecia bastante provável então.
Até que, inesperadamente, na noite de sete de setembro de 1910 as tropas do quartel da força federal em Cruzeiro do Sul comandadas pelo Capitão Guapindaia atacaram a pequena guarda revolucionária composta por 30 homens. Os combates duraram toda a noite e às oito horas da manhã o tiroteio foi interrompido pelo armistício e capitulação da pequena força sediciosa. Um homem estava morto e havia dois feridos! Vítimas da indiferença nacional e dos interesses do mercado internacional da borracha.
Estava encerrada a revolta que, durante cem dias, tornou real o sonho acreano de poder se auto-governar. Não poderiam imaginar os autonomistas acreanos da época que a luta teria que prosseguir durante mais de cinquenta anos ainda antes que o Acre fosse transformado em estado e os acreanos pudessem enfim exercer a tão desejada autonomia.
Mas, menos de um ano depois o Juruá voltaria a depor o Prefeito Departamental indicado pelo governo federal, do mesmo modo como fariam os habitantes do Purus ainda em 1912. Ou seja, apesar das traições de que foi vítima, o sonho acreano de conquistar sua autonomia política continuaria a ser expresso em sua luta... através dos tempos...